Ditado (im)popular - #grupodeescritamatinal



Textos produzidos no Grupo de Escrita Matinal conduzido por Liana Ferraz. Saiba mais em https://forms.gle/4qVk5wpVwScZePUi9


Vem tempestade

Lavar nosso ódio

Espirrar consolo

Tingir nossas cores

Misturar nossas lágrimas

Formar espelhos d'água onde a gente possa se reconhecer

Vem tempestade, arrasa

E cumpra sua promessa por calmaria

Porque está insuportável viver assim. A seco.






(Juliana Mariz - setembro 2021)




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Para bom entende-dor

Nem meia palavra basta

Pau que nasce torto rompe com a retidão

alienante do mundo

e até a cinza germina o solo

frutos revolucionários que alimentarão

seus sucessores

Quase tudo que reluz tem vida

Escuridão é força

presença

Água que o passarinho bebe leva às alturas

Para bom conhece-dor

Quase todas as palavras são necessárias

até as cuspidas e escarradas

quando Pedro fala de Paulo é preciso pergunta-lhe

o que queres me dizer com isso?

 

Editado popular – Isabella Koga 

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Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje 

 

Quem inventou os ditados populares? Outro dia estava pensando sobre eles e se concordo ou não com a pessoa que os inventou. Me parece que deva se tratar de alguém bem evoluído e sensato, perfeito eu diria, aliás a pressa é inimiga da perfeição. Alguém imagino eu superprodutivo, autossuficiente, que aprendeu muito com a vida e que sabe separar as coisas, amigos, amigos, negócios a parte. Será que foi um homem ou uma mulher? Ou talvez tenha sido uma criança, um não sei, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco, prefiro não incluir crianças aqui. Bom o fato é que é alguém que aprendeu muito com a vida, persistente o tempo suficiente para ver uma água mole em pedra dura tanto bater que fura. Interessante, ou mesmo um ditado passado de geração em geração, tipo filho de peixe peixinho é. Afinal devagar se vai longe. Mas como águas passadas não movem moinhos, estou aqui a pensar se concordo ou não com o ditado popular. Se fossem águas do meu inconsciente moveríamos uma hidroelétrica e lavaríamos muita roupa suja em casa. Como é bom escrever, filosofar, raciocinar, meu Deus, mente vazia é oficina do diabo, eu heim.  Voltando aos ditados, afinal cada macaco no seu galho né, fico aqui a pensar se foi só um a criar o ditado popular, porque quando a esmola é demais até o santo desconfia né. Pensando na problematização desse tema, e na energia gasta em olhar para ditados populares, ai me cansei, bom mas há males que vem para o bem, certo? Então não deixe para amanhã o que você pode fazer ainda hoje, como ler esse texto maravilhoso que escrevi, cada dia um pouco, afinal, de grão em grão a galinha enche o papo. Fui, mas não se preocupa, cão que ladra não morde, mas pode arrancar um bom pedaço da Amazônia do Brasil. 

 

 

Por Gabriela Lyra 14/09/2021 


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meia palavra não basta. às vezes nem meia frase, meio parágrafo. meia página. meio livro. meia coleção de enciclopédia, meia internet, quiçá. quase sempre, em meio a esse mundo louco, corrido, que quer sempre muito tudo de nós, é preciso mais palavras do que as palavras dão conta. é preciso inventar palavras, é preciso deslocá-las, é preciso desorganizá-las, é preciso repetir, é preciso repetir, é preciso repetir-sem-parecer-que-está-repetindo-o-que-já-foi-repetido, é preciso fazer uma sopinha de letras e ver o que sai dali.







colocar a responsabilidade no tal “entendedor” soa um tanto quanto injusto [mas se bem que, sendo o entendedor no masculino, talvez ele mesmo já tenho se colocado nessa posição… coisa pra outro texto]. meia palavra basta pra quê? pra quem? pra quem não consegue escutar e interrompe as palavras de serem completadas como haviam sido pensadas? nesse caso, o entendedor não seria, então, um antecipador ou, até mesmo, um interruptor? alguém com uma ânsia tamanha de entender, de saber, de deduzir, que não contem o que sua cabeça imagina que será dito.







também há os momentos em que não existem palavras, que apenas as não-palavras dão conta. silêncios-discursos inaudíveis de olhares, expressões, manifestações do corpo. e aí, se meia palavra basta ao entendedor, o que faz a não-palavra? a despalavra? consegue o entendedor, do alto de seus entendimentos entendíveis de todas as coisas, entender também a poética do invisível-inaudível-impalpável? ou ficaria ele na ansiedade do que nunca foi dito, completando com meias ideias as meias palavras nunca ditas, desprezando todos os outros indícios e conversas que acontecem o tempo todo pra fora do mundo das palavras?







e quantos bons entendedores bastam para as palavras, meias ou inteiras? porquê, afinal de contas, as palavras não são coisas inertes, inocentes, incapazes de qualquer ação ou poder. palavras tem vida, desejos, vontades e, muito importante lembrar, intenções. palavras são coisas inventadas, saídas da mente humana, que tagarelam sobre tudo o que foi e o que não, sobre o que é e também sobre o que pode vir a ser. palavras podem ser perigosas, podem dominar o mundo, podem convencer você a pensar, agir ou sentir o que nem você, até aquele momento, imaginava. palavras existem na cabeça antes mesmo de existirem na boca e, tantas vezes, fazem morada no coração. quem nunca foi machucada por uma palavra, ou pela intenção da palavra? quem nunca guardou num cantinho todo o amor contido nas palavras recebidas? palavras tem poder imenso e grande parte desse poder vem justamente de sua aparente inocência. “mas eu não quis dizer isso”, “não era minha intenção”... palavras ganham vida própria quando jogadas no mundo, tornam-se seres viventes capazes de trilhar seus próprios caminhos a partir do mero pronunciar. palavras são, de certo modo, atos mágicos cotidianos, capazes de transformar tudo ao seu redor pelo simples ato de existir.









diz o ditado que “para bom entendedor, meia palavra basta”, mas isso não é verdade. palavras inteiras precisam de outras palavras inteiras para descrevê-las que, por sua vez, precisam ainda de outras e assim sucessivamente. veja só você quantas palavras foram aqui escritas apenas para tentar implodir essa ideia de “bom entendedor” e de “meias palavras”! palavras são um esquema de pirâmide, só pode. mesmo assim, ocasionalmente, elas desmoronam e fica o silêncio. não essa palavra criada pra ocupar um lugar daquilo que somente uma página em branco, o total breu ou um céu azul profundo poderiam traduzir. no silêncio, as palavras desmancham, e já não é preciso bom entendedor nem qualquer pedaço de palavras.

(Nirvi)

***filho de caranguejo, peixinho é minha mãe canceriana minha vó é ariana e eu áries também sou aprendi muito cedo que todas nadamos em ritmos muito diferentes minha mãe nada de costas firme e forte, com calma, com jeitinho não querendo provocar as ondas, sempre olhando pra trás. chega na areia no exato momento que tinha previsto, no exato lugar da praia, e ainda tem uma toalha esperando por ela. eu, com meu signo de fogo, me bota na água, sai fumaça. sigo de estilo borboleta expansivo, barulhento, um pouco abafada, ansiosa pra chegar. sigo rápido em frente, não olho pra trás chego na areia na hora que chegar, nem sempre acerto o lugar, e esqueci a toalha, mas o sol tá forte, então nem precisa. sento e chupo um picolé. filha de caranguejo, peixinho sou nem sempre concordamos, nem sempre somos iguais. mas no nosso mar, embaixo das ondas, pertencemos ao mesmo lugar. teria sido muito chato pra minha mãe, ter uma filha caranguejo. e eu ficaria entediada com uma mãe peixe. tudo muito igual, acabaria mal. assim ela me ensina a andar, eu a ensino a nadar ela me mostra o fundo do mar, os corais, as algas, as areias eu a levo pra cima, navegando entre as ondas filho de caranguejo, peixinho é e ainda bem. a diversidade é o que tem de mais bonito.


(Catarina de Luca)




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Ditado pop anular

Não sei se é popular, mas foi ditado

Ditado infinitas vezes

Quem muito ri num dia, no outro, chora.

Quem muito ri chora

Quem ri

Não rir para não chorar.

Ou rir e chorar.

Nada como um dia depois do outro

Um riso depois de um choro

Sem riso sem choro.

Toda vez que eu rio eu já espero a dor de depois

Toda vez desde sempre

Sei que não concordo com esse ditado

Mas ele paira como uma entidade

Ele vibra em todos os meus nervos

Ecoa como um ditador da tristeza

O ditado ditador de quem só via a dor

De quem não queria o riso

Porque o riso agride a dor

O riso é pecado.

Ditado pecado.

Se felicidade e dor

são os dois lados da mesma moeda

Surge o argumento:

É uma aposta.

É um jogo de azar.

Não é certo que dê sempre cara, ou coroa.

Riso e choro podem ser a mesma coisa.

Mas um não está condicionado ao outro.

Ditado falho.

Posso rir e rir e rir e rir hoje

Por que amanhã é outro dia

E o que não tem remédio remediado está.


(Cibele Cipola)

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