Ver escutando - #grupodeescritamatinal


 

árvore idosa, imensa. um tronco que conta as marcas do tempo quando estala, vez em quando. com o toque do vento, as folhas, que caem cachoeiradamente até o chão, conversam baixinho entre si segredos arvoráveis que a humanidade jamais entenderá. perto dela, outras, diversas: magrelinhas esticadas, espiando por cima de muros avizinhados, baixinhas esparramadas, tentando conter em si o máximo de espaço. um condomínio sussurrante de folhas que conversam ao sabor do vento. oferecem silenciosamente suas sombras enquanto aproveitam o banho de sol da manhã. dentro delas, um pio aqui, um cantarolar lá: a passarada acordada canta as novidades do dia nas árvores-casa, ninhos feitos ao gosto da primavera. cantam novos e velhos, em diferentes idiomas. uma pequena minhoca, muda, passa de bico em bico até os filhotes, no desespero derradeiro de quem não quer perder a vida. passam carros, passam motos, passa o latido agudo e rouco de um cachorro magro e pequeno que se quer valente e assustador. nada interrompe os cantos-contos da passarada. de repente, chega a celebridade de semanas atrás - um bem-te-vi empolgado, contando alto que bem-me-viu por aí.

encantada pelos contares de todos os cantos, eu passarei, e eles, passarinhos.


Nirvi


***

De olhos fechados


Ouço a água que

num passar contínuo

leva o que leva

para o mesmo lugar

onde estava.


Água que pode ser

da cachoeira

da torneira

do mar raso.


Água que é onda,

é mangue

é parada

é corrente.

Pode ser quente.


Finge ser pedra

e pode ser dura

enquanto suave

derrete.


Água poça

de carona com o vento

acha por onde escorrer

se funde e cresce

vira gota.

Ping.


(Cibele Cipola)

***

passa carro, volta carro, caminhão


tanta gente trabalhando de manhã


derrama pedra, outro grita, reclamão


no espaço aqui do lado tem construção




monstros enormes que urram ali


do lado dá medo de vir aqui


gargantas que gritam destruição


pra todos que venham na contramão




pega metal, larga metal, chacoalha metal


todo dia logo cedo com o sol


e lá se vai até de noite de novo de tanto


barulho que se faz que não dá nem


pra ouvir nada nem eu


mesma consigo me ouvir




e o mais chato pra mim é que


o pior de tudo é que


por mais chato que seja


acostuma


(mari desconsi)


***

Nota de uma alma:


É tempestade aqui dentro enquanto os pássaros cantam lá fora. É noite aqui dentro, enquanto o sol nasce lá fora. É calmaria lá  fora, é tempestade aqui dentro. As folhas dançam lá fora, em harmonia com o vento. É alegria lá fora, é sofrimento aqui dentro. Abrindo os olhos pra escutar a alma, procuro abrigo em desespero. É silêncio lá fora, é tempestade aqui dentro. Me olhando toda, escuto o ruído pesado que emana da alma, é serenata lá fora, doce melodia do agora, é disco riscado aqui dentro, ruído que desconcerta a alma. É vida lá fora. É vida aqui dentro. Escuto também o som da espera, da paciência e do tempo, o som da entrega, me perco nas notas, não estou em ritmo. É compasso lá fora, é descompasso aqui dentro. O estômago Embrulha, escuto o ronco da fome, é escassez aqui dentro. É abundância lá fora. É vida aqui dentro, é vida lá fora.


Por Gabriela Lyra




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