Olhar-se - #grupodeescritamatinal

 


--- Textos produzidos pelas pessoas participantes do Grupo de Escrita Matinal conduzido por Liana Ferraz

--- Inscrições e informações https://www.liv.us/grupo-de-escrita-matinal 




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Um olhar melancólico mas vejo também alegria nos olhos daquela moça. Sempre séria, como uma cara parecendo emburrada mas percebo que talvez seja uma personagem.
Nos últimos dias elá tem vidno mais ao café. Sempre sozinha, talvez apreensiva pelos julgamentos de estar sozinha. Talvez ela não saiba, talvez ela duvide mas ela me passa segurança.
Vejo-a sempre observando tudo à sua volta enquanto toma mais um gole do seu café. O que será que a assusta? Como será seu dia?
Ela já é uma mulher. Mas lá naquele olhar vejo uma menina assustada com vida mas confiante, determinada. Talvez mais forte do que ela mesmo se veja.
Seu olhar doce ao pedir mais um café para o garçom diz muito sobre essa mulher. Ela me encanta. Passaria horas observando-a observar o mundo.
Ela quer se entender. Ela quer se conhecer e ela quer evoluir.
Ela parece querer sair de uma prisão e experimentar...
Ah, e continuar tomando o seu café... em paz!

(Adélia)

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Sentada próxima à janela, com seu escritório improvisado, deixa que a luz do sol traga as boas novas do dia. 

Lá vai ela, com seus cachos desgrenhados para viver mais uma chance de recomeçar.

Alta e magra, às vezes, parece meio desengonçada, mas quando larga seu sorriso de bom dia, dissipa qualquer desalegria. 

Traz também a leveza dos seus olhos castanhos, de quem espera o melhor de todos os planos. 

Escreve todo o tempo, porque traz consigo um silêncio introvertido e essa tem sido sua fonte de motivação, conta o que viu e viveu, na esperança de alcançar o que está por vir.

(Patrícia)

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Começa
Aquela louca a correr e bravejar. Fala a todos e a todos quer controlar!
Clama, reclama, reclama e clama, na certeza que a clama há de chegar! 
Travou, parou…. Cansou de esperar…
Que música linda! Quão doce e suave é o seu despertar!
E lá vem a hora de novo a convocar. Os outros a chamam, mas o corpo a demorar.. 
Seu desejo, há tempo esquecido a faz lembrar de desejar 
E a noite ainda se levanta para caminhar.

(Vanessa Kelda)

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Ela anda sem tempo.

Mas como sem tempo? Ela faz muitas coisas, preenche todo seu tempo. Mas como ela está sem tempo? Não seria só parar de fazer alguma atividade? Aí ela não teria tempo?

Explico, ela é tão sem tempo, que programa as diversas atividades para poder ter tempo.

Mas o que tem quando ela não faz nada?

Tem um enorme nada que ocupa todo o seu tempo.

(Mirnis)

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(Cláudia Suzano)


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Esta sou eu, Juliana. Sentada às oito e pouco da manhã em frente ao computador, ousando reunir-me com alguns/as desconhecidos/as que compartilham de um mesmo desejo: escrever. Só por considerar isso “ousado”, apresento-me desprovida de certas coragens. Porém, sigo desejante. Tenho relutado a escrever.. Quase sempre por um autocrítica cruel e persistente que poda minhas palavras antes mesmo que as escreva, externe, quiçá publique. Agora mesmo, já podei várias. Formei-me Jornalista em uma universidade do interior da Bahia e lá mesmo, naquelas cadeiras cheias de regras, deixei parte de meus sonhos…do ofício experimentei pouco, mas o suficiente para decidir que os espaços diagramados não cabiam o quanto eu queria expressar…guardei a escritora-sonhadora em um cantinho de mim e volta e meia ela-eu esperneia-o: - deixe-me ser! Muito prazer!

(Juliana Pires)

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(Nina Giovelli)

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Borbulhas 

Ela é intensa, plural, contraditória . Por vezes percebe  a desorganização da sua mente pulsar e dominar. Percebe-se! Não consegue ser morna, mesmo sendo conveniente. 
O impulso grita!  Age impulsivamente buscando acertar.
AMA muito! Doa-se! 
Espera...espera o reconhecimento a reciprocidade e a lisura .
Por vezes se decepciona com a vida , com seus pares e consigo mesma .
Procura entender , procura-se !

(Adriana)

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Ela está deitada em uma coberta roxa. Olhando para o céu azul, mas tem algumas nuvens aqui e ali. Os pássaros estão cantando com toda força. Um som de água ao fundo cria a harmonização perfeita.
Ela estica os pés e a grama curta e verdinha acaba fazendo cócegas, ela ri. 
A brisa faz com que as árvores deixem cair algumas folhas e amoras.
Ela se levanta e chega perto da beira da montanha, se senta e pega um dente de leão. Fecha os olhos. 
Faz um pedido 
Ela abre os olhos.
Ela está caminhando pela rua e tropeça, mas não chega a cair. Com um sorriso e balançando a cabeça ela pensa: “nossa como sou desastrada”
Ela sente uma brisa. 
Chega perto do semáforo, muitas pessoas param para atravessar. Está vermelho, em segundos ou minutos fica verde. Todos atravessam, se esbarram, “desculpa”.  
Ela olha para o céu que está azul, mas tem algumas nuvens brancas e carregadas. 
Alguns pingos de chuva caem. Pessoas pegam seus guardas chuvas. Ela se atrapalha para achar o seu na bolsa. Ela sente os pingos caindo nela. 
Fecha os olhos.
Respiro.
Abro o guarda chuva. 
Continuo meu caminho.

(Bia)

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Olha o céu e sorri. Agradece a vida junto com os pássaros que cantam e declaram.
Todos reclamam presença aos habitantes do Universo.
Convocam a nação pra abrir o coração e lembram: só no amor há solução.

(Vanessa Nolasco)

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Bosques do Butantã

O dinheiro está onde há fúria e ruídos, barulhos, invasões sonoras diversas. 
Fico me perguntando porque dessas oscilações financeiras em minha vida… e tento justificar porque ando sempre duro… ou quase sempre… quando parece que o jogo vai virar, virou… virando… volto à dureza e as dívidas… 

Nesses dias pensei que não basta a competência e o gosto pelo ofício para ter estabilidade finaceira, é preciso fazer “network” – estar junto das pessoas, no fluxo, fluxo furioso e Ruidoso. Talvez para muitos o som do fluxo seja agradável e acolhedor, não é o meu caso.

Fui aprendendo a gostar do silêncio e da solidão. Ficar só, livros, filmes, caminhadas na cidade e na mata, remadas no mar, surf. O que eu nunca soube fazer, foi ficar sem uma companheira. Sempre há uma mulher caminhando junto, vivendo junto… a presença feminina, a voz, o corpo, o cheiro, as conversas, o gosto… me sinto bem com as mulheres, e aí sempre estive em relações intimas e profundas… as relacões duram entre 3 e 5 anos… seria esse o tempo que dura a prosperidade afetiva, emocional, sexual? Prosperidade?

Sobre os amigos, me tornei seletivo… talvez eu tenha exagerado mas, aconteceu. Alguns poucos me dão muita alegria de ver e estar junto, sejam os velhos amigos, sejam novas pessoas que surgem. 

Me tornei uma pessoa-casa. Vida e trabalho em casa, plantas, gatos, filmes, livros, música, podcast, jardim, cozinha. Vadiagem caseira. E hoje, família, Naiá, minha mulher há 8 anos e Ava, minha filha de 1 ano e 10 meses. Não foi sempre assim. Desde a pré-adolescência até o inicio da juventude eu havia sido uma pessoa-rua. Praia, surf, calçada, buteco, festa, balada, viagens, viagens, viagens… pista, pista, pista… parava pouco em casa… e eu nem sabia que existia o “On The Road” e quem era o Kerouac. Aí saí de casa aos 17 e comecei a namorar sério… e fui deixando de ser rua pra me tornar casa. As vezes volto a ser rua, mas só dura uma noite.

E então, lembro do que escrevi no começo do texto e penso que o dinehrio está onde estão as festas. Na juventude era o Bar do Ferreira e a Praia. Esse era o fluxo. Circular entre a praia e o botequim era descobrir os pequenos mundos no Rio de Janeiro. Saia de casa sem saber pra onde iria, do buteco do Ferreira, a conversa, as gargalhadas, a cerveja, as boas iam surgindo, e do buteco partiamos para o mundo – as festas, sem saber se voltariamos ou que horas voltaríamos.
Falo do buteco também como metáfora para um lugar um cenário onde ocorra um fluxo profissional como ocorria um fluxo de bohemia, no buteco. O fluxo profissional, o lugar, o buteco onde rolam os encontros de gente que trabalha e quer trabalhar junto existe? Mercado. Onde? Mercado. É um espaço físico ou é um espaco virtual? Onde está o Mercado, onde rola a network? Eu quero o Mercado? Eu quero fazer Network? É possível sobreviver fora do Mercado?

O lugar, o cenário onde vivo e caminho é silencioso e vazio. Os bosques do Butantã, as ruas de dentro, dos fundos da cidade, sigo andando e olhando, reparando, escaneando pedaços do chão, das janelas, do vento, as escadas buracao abaixo pra dentro do metro, os vagões, sigo olhando e pegando mudas pra replantar em casa… nessa caminhada à deriva, sozinho e silencioso – as vezes sem destino, outras, são idas e voltas enre lugares e encontros - não há encontros, não há network… isso é meditação? Ou isolamento-fuga?
Há um equilíbrio entre o silêncio solitário e a alegria ruidosa do encontro com as pessoas? Algum fluxo onde as pessoas saibam que você existe… fluxo, afeto, alegria, trabalho e algum dinheiro pra equilibrar as coisas?

Mas não era essa a ideia – dispositivo - do texto: “observe-se de fora…” escreva de fora… se distancie se olhe… era pra sair de si e voar pro alto, voo de gavião e se olhar lá de cima, distante. Acho que eu escrevi de dentro pra for a, não da distância de quem se vê. É mais difícil sair de si, se olhar, se escrever. Não sei se consigo, há que treinar.

(Alexandre Lima)

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Andando pela rua foi que a vi pela primeira vez, andando com a pressa de quem não gosta que os pés toquem o chão. Naquele dia ela vestia roupas simples, uma camiseta cinza por dentro de um short jeans de cintura alta, mas foram as botas que me chamaram atenção. As botas pesadas e pretas que a puxava para baixo e ao mesmo tempo pareciam a deixar mais alta do que é. Como observava, vi quando um dos pés se enganchou no outro, fazendo com que ela alçasse voo por pelo menos uns dois metros à frente, onde se recuperou do tropeço e começou a rir aquele riso solto e sincero de quem realmente achou graça. Ela não olhou ao redor, mas se tivesse teria me visto rindo também. Ainda com um sorriso no rosto, ela continuou andando como se tropeçar fosse uma parte intrínseca de caminhar, e como pude perceber nas outras vezes que a vi passando por ali, para ela era mesmo.

(Mariana Desconsi)

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Uma mulher na mata. Que se coloca como criança... 
Pés descalços, terra firme. Num quê de querer se aprofundar, encontrar suas raízes. Faz isso com mergulhos profundos. Nas águas dos rios, em sua história e alma. Reconhece sabedorias que não sabe de onde vêm. Falta memórias, referências...algumas acabam a encontrando em sonhos. 
A correnteza do rio é guia. Seu corpo é capaz de flutuar mas também de afogar. Ainda assim, nada. 
Se afaga com o toque das águas. As doces que a movimentam, as salgadas que escorrem dos olhos. Caminham pelo rosto, escorrendo, libertando, tornam-se rio.
Assim pertence, participa. De tudo que é. 
Reconhece seu ser não determinado... Sua história. 
História pra ela é coisa séria, no sentido de valorosa. Escuta com cuidado, zela. A minha, a sua, a nossa... 
Pro(cura) na mata, no escuro, no canto dos pássaros, nos seres que habitam, nos encontros com o outro e consigo. Com marcas, detalhes, buracos, poesia, abismos. (Ser) pente(ando) a natureza...

(Nathalia Petric)

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Ela está sentada em frente ao computador
meio dia, começo de trabalho
os olhos focados na tela
a cabeça em outro lugar
uma voz surge: é preciso se organizar, só faça o que tem de ser feito
outra indaga: o que tem de ser feito de fato?
outra arremata: tem de ter sentido
Ela se agita
pesquisa, lê
tenta encaixar uma análise jurídica em meio ao intenso diálogo das vozes
levanta-se
acende um cigarro: 
cabeça desliga e o corpo formiga
latente, a inspiração vem à tona
escreve alguns versos
escova os dentes
volta
se culpa pelo tempo passado
se cobra
mais trabalho chega na caixa de entrada, nem terminou o primeiro
retoma a leitura
ela gosta do desafio, mas gostar não a torna imune ao medo
sente medo
de não dar conta
ora sim, ora não desacredita de si
pesquisa doutrina, jurisprudência
às suas dúvidas existenciais se somam as do caminho de construção de um raciocínio jurídico
agita-se
sente fome
nem é fome, na verdade, ela sabe
é só pra esquecer, entorpecer, passar o tempo, se preencher
sente um tédio constante
levante-se 
come, uma, duas, três vezes.

(Eve)

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Despertar
Acordou antes das 6h, mas não viu muito sentido em levantar. Pensou — e logo desistiu — em estudar um pouco para se dedicar ao trabalho mais tarde. Pensou em ir à academia antes do que estava acostumada, começar uma rotina nova. Preparar um café da manhã com mais calma. Tirar as roupas da máquina e estendê-las, em vez de deixá-las abandonadas lá dentro por mais de um dia. Meditar. Ler. Simplesmente sair da cama. 
Não sentiu vontade. 
Não via mais sentido em acordar cedo demais. Tinha deixado um pouco de acreditar em si. Há onze anos estava estagnada no mesmo cargo, longe da família e da maioria dos amigos, com muitos “nãos” acumulados — alguns recentes — ecoando na cabeça: não para publicar seus textos, não para passar em outro concurso, não para engravidar. Era como se o mundo corresse em volta de si sem que ela própria saísse do lugar. 
Às vezes, sentia vontade de ser esquecida para que não notassem que, pouco importava como recomeçasse, não conseguia se movimentar. Perdera a conta de quantas vezes dera a partida, mas a bateria — há anos —  simplesmente acabara, e ela não sabia como trocá-la. Sentia-se culpada quando ouvia que não tinha do que reclamar. Dentro de si, a insatisfação crescia mesmo se buscasse não alimentá-la.
Em outros momentos, ela queria ser vista, percebida. Para isso, doava-se o máximo que conseguia às pessoas, tentava agradá-las o quanto podia para que não constatassem o quão pouco especial ela era. Terminava por se esgotar emocionalmente com tamanha necessidade de aprovação.
Será que era mesmo apenas um peso no mundo? Quando se fazia essa pergunta, encontrava bem escondidas no interior de si, debaixo de toda a cobertura de culpas, arrependimentos e frustrações, sobrevivendo por aparelhos, a convicção de que era, sim, importante, e a esperança de que um dia, não sabia bem como, e se não se permitisse desistir, chegaria exatamente onde seu coração se sentisse realizado.

(Fernanda França de Oliveira)





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