Cartas de amor - #grupodeescritamatinal

 




--- Textos produzidos pelas pessoas participantes do Grupo de Escrita Matinal conduzido por Liana Ferraz

--- Inscrições e informações https://www.liv.us/grupo-de-escrita-matinal 

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Uma carta para minha avó que não envelheceu


Semana passada você teria feito cem anos. Não sei se realmente os teria completado, porque você era ativa demais para chegar a alguma idade que te proporcionasse, inevitavelmente, qualquer tipo de limitação. Mas às vezes me pego pensando nisso. Em como você estaria agora, e o que acharia da pessoa que me tornei. Penso muito na minha mãe também. Ela te perdeu com a idade em que eu estou hoje. Trinta e quatro anos, uma filha de sete e um bebê na barriga muito próximo de nascer. Confesso que tenho pavor de pensar nisso. Não sei — e, admito, nem quero saber — se seria capaz de superar uma dor desse tamanho. Acho que ninguém realmente supera, só aprende a viver com ela, evitando alimentá-la a ponto de se tornar incapacitante. Passa pelas minhas preocupações também pensar que, se ela fosse embora como você, não teria convivido com os filhos que ainda não tive, mas pretendo ter. Você também não conviveu com meu irmão, não é? Que tristeza deve ter sido para ela não te ter por perto quando ela tanto precisou. Mas não sejamos injustas: você esteve presente o quanto pôde. Convivemos por apenas sete anos, e ainda assim, tenho inúmeras memórias que envolvem sua presença marcante. Sei também que, como todo mundo, teve suas falhas, e acabou por passar muitas de suas dores de mãe com um marido que passava a maior parte do tempo viajando a trabalho, professora, com treze filhos para cuidar, para meus tios e minha mãe. Não há — e nem existia, pelo menos não com esse nome — disciplina positiva que sobreviva num contexto desses. Eu queria muito conversar com você, ouvir sua história sem que fosse pela boca dos outros. Assim, em uma idade que me permitisse compreendê-la. 

Sabe que não me lembro da sua voz? Um dia desses, vi você em um filme antigo do meu aniversário de um ano — filme que eu nem sabia que existia —, e quis muito te ouvir dizer alguma coisa, mas só vi sua imagem. Penso muito em como a minha mãe gostaria de poder escutar sua voz, como há dias em que tudo que preciso é ouvir a dela. Existem muitas coisas nessa vida que a gente pode substituir ou compensar, mas a mãe da gente não. Não consigo sequer acessar a dor de perder a minha, e espero não vivê-la por muitos — mas muitos mesmo — anos. Mas se pudesse definir o sentimento, apenas pelo que imagino que ele seja, penso que deve ser como perder um pedaço bem grande, vamos dizer a metade de si, e ter que continuar vivendo, assim, pela metade. E se vinte e sete anos depois eu ainda tento reconstituir seu rosto na memória e imaginar sua voz já que não tenho mais esse registro, se vinte e sete anos depois eu invento na minha cabeça conversas imaginárias de nós duas, se vinte e sete anos depois ainda guardo dentro de mim o amor que você me dedicava...Vó, acho que minha mãe deve andar por aí, desde aquele ano de 1995, com um buraco incandescente dentro do peito, que todos esses anos só foram capazes de impedir que ele a queimasse por inteiro, mas que nunca, jamais, chegou perto de ser apagado.

(Fernanda França)

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Oi Joca,


Essa cartinha saiu daqui do Rio de Janeiro para chegar até aí. Hoje é dia 11 de fevereiro, estou curiosa para saber quanto tempo ela vai levar para chegar, hehe. Depois me conta? Será que ela vai de avião? Será que ela chega de avião, pousa no aeroporto de Caxias ou de Porto Alegre? Ou será que ela viaja de ônibus?


Escrevo porque TE AMO, tô com saudades e coloquei na carta o CHEIRO do meu perfume preferido. No telefone não dá para sentir cheiro, né? Uma pena porque adoro o seu. Não do pum, o seu mesmo! Gosto do cheiro que sinto do seu pescoço quando a gente se abraça. 


Quando eu tinha 10 anos, lembro que a Nona recebia muitas cartas das amigas que moravam em cidades vizinhas. As cartinhas chegavam em envelopes, às vezes amarelados, amassados, cheios de carimbos dos Correios. Lembrei disso e decidi escrever para você.


Sabia que não existia telefone celular - esse que você pega para jogar o Roblox e para a gente se falar? Só existia outro tipo de telefone, um que a gente tinha que falar parado, ao lado da tomada, porque o fone ficava ligado nela. Hoje, esses telefones são usados para decorar as casas. Eu gosto, pensei em comprar um vermelho. 


O difícil era saber de cor, o endereço das pessoas para poder enviar a cartinha. Vou ter que pergunta ao Ande qual é o endereço daí. 


Me conta aí como foram as férias. Tomou muito banho de mar? Tinha muita gente na praia? Você gosta de jogar frescobol? 


Eu me mudei de casa e, na primeira noite, quando acendi a luz vi uma pequena lagartixa correndo pela parede, bem pequenininha, acho que tinha uns 7 cm. Fiquei com medo dela, quis expulsá-la do quarto com uma vassoura. Acho que a matei. Fiquei pensando nela o dia todo depois. 


Depois eu pensei: que mal tem uma lagartixa morar no meu quarto? Lagartixa morde? Você sabe me dizer? Ela podia ser a minha pet de estimação. A apelidei de Aurora, mas ela não apareceu mais. Ao meu lado, aqui, tem o Théo, o gato do meu namorado. É um gato bem gordinho, todo branco muiiito preguiçoso. Ele mia para caramba. Sabia que ele parece um cachorro? Ele interage muito, gosta de brincar, dá a patinha, quer conversar, um figura. E o miado dele parece um NÃO. Eu pergunto: Théo, você quer trabalhar hoje Ele responde: Naummmm!


Falando em bicho, que história é essa que você vai ganhar um cachorro? Genteeee, que presente lindo! E vivo! Sabia que cachorros têm sentimentos e precisam de muita atenção, né? Tenho certeza de que você vai adorá-lo e cuidá-lo de montão. Eu morro de saudades do Scooby, do tucho! Assim como de você.


Beijo Joca

Tia Gi


Ah, se quiser e tiver vontade, escreve uma cartinha pra mim também. Se for escrever, não esqueça de colocar o perfume nela, tá.

(Giana)

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Oi, como você está? É assim  que começam todas as cartas, mas eu queria saber mesmo é o que está fazendo agora... Afinal, sempre que estou aqui sozinho e vejo as estrelas imagino você. Imagino que se você estivesse aqui comigo poderíamos juntos estar contando histórias das estrelas ou as histórias que as estrelas contam. 


Quando ando pela rua, também penso em você... fico sonhando com você ao meu lado e nós dois conversando sobre as coisas mais banais que acontecem a nossa volta... sobre aquele camelô que não conseguiu fechar a venda, sobre a senhora que correu e perdeu o ônibus, sobre o atendente mal humorado no restaurante... 


Quando deito a noite, também te imagino comigo... imagino seu abraço, sua presença...  fico horas acordado pensando em tudo que poderia ser... não durmo, apenas apago de exaustão e com você nos pensamentos...


Penso em você também quando estou com outros... durante as reuniões  de trabalho, no almoço com os amigos... sempre, onde quer que eu vá...


Confessando, penso em você o tempo todo... quando estou longe imagino todas as cenas possíveis que poderíamos viver se você estivesse ao meu lado...


Mas na verdade você não está aqui... não sei como você está, nem o que está fazendo... por isso quando não estou sonhando com você comigo fico apenas imaginando como você está, com quem está e o que está fazendo... Morro de ciúmes imaginando que você está com alguém e esse alguém não sou eu... Por isso, sempre prefiro sonhar em estar com você, enquanto espero o nosso próximo encontro...


Esses, são momentos mágicos... você não sabe, mas cada palavra que você diz fica gravada em mim para sempre... Esses poucos momentos em que tenho você ao meu lado, fico como um idiota... sem palavras... parado só te admirando e tentando entender o que você quer... é muito difícil me opor a você... mesmo sabendo que você está indo para um caminho que será difícil trilhar, sei que vou com você... Nunca vou deixar de te seguir...


E depois que nos separamos, fico por dias apenas relembrando dos pequenos instantes que passamos juntos... cada frase que você disse e o que eu deveria ter respondido... imaginado como seria sua reação se eu tivesse dito uma frase diferente... 


Nos meus sonhos, já te disse que te amo um milhão de vezes... de todas as formas....  em todos os lugares... 


Mas não posso... vendo você tão seguro de si e sem nem imaginar nada, apenas recuo na sua presença... Só me restam as cartas... inúmeras cartas, escritas com todo meu fogo, toda minha alma e toda minha paixão... cartas que jamais serão enviadas, que nunca serão lidas... por que no fundo eu sei que não tenho coragem de te dizer, que você não sabe, mas eu amo você...

(Sirlene)

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(Nina Giovelli)

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(Claudia Suzano)

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Mãe, 
É difícil para mim expressar aquilo que sinto por você, até mesmo porque isso nunca foi um hábito de nossa família. Sei que hoje consigo te entender melhor que em qualquer momento anterior, mas ainda tenho barreiras. Há tantas coisas que não  entendo e não sei se algum dia entenderei pois creio que jamais teremos uma conversa sincera sobre nossos erro mútuos. 
Me sinto tão ferida por tudo que vivi mas ao mesmo tempo sei que não posso te julgar, pois fez aquilo que lhe era possível dentro de seu contexto de vida. 
Mas o que eu posso é agradecer por todo o bem que me fez. Por ter dado tudo de si e me tornado a pessoa que eu sou, apesar de todos os erros que cometo. Antes de mais nada saiba, meus erros são culpa minha, não sua. 
Também posso agradecer por você ser a mulher maravilhosa que é, a mais batalhadora que já conheci. Por sua doação por todos aqueles que estão a sua volta, mas especialmente por sua doação a mim e a minha irmã tão querida. 
Serei eternamente grata por sempre se esforçar para que meu relacionamento e de minha irmã tenha sido tão forte, que não importa o que aconteça sei que não estou sozinha e que sempre haverá alguém no mundo que pode me perdoar e acolher.
Mas mãe, o que não consigo entender é porque você se abandonou, desistiu de sentir de verdade, amar genuinamente. Deixou de confiar na sua capacidade de ser aceita pelo simples fato de ser quem é e passou a se dar valor apenas pelo valor que lhe atribuíam. 
Esqueceu que amar pode confortar e que crer que o outro só quer o seu bem pode trazer esperança de que você realmente é boa e merece cuidado. 
Mas no fundo eu entendo a minha confusão sobre a sua perda de si mesma, pois sou seu espelho...

(Fernanda Silvério)

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Polaroids 

Cafona e rídiculo é a caixa de cartas de amor que ele guarda até hoje… é? Porque a cada mudança, a cada arrumação, onde se desfaz de tantas acúmulos, obejtos, papéis, sempre preserva a caixa com as cartas. Que valor tão precioso é esse, contido nestas cartas? Será que ele pensa em reler estas um dia? Olhar, ler, escutar, a vida que viveu. Sentir e lembrar como viveu, como amou e foi amado? Tanta alegria, tanto brilho, dor, choro, medo… tantos horizontes… poesia.

Talvez fazer um filme com as cartas, com as memórias e os afetos, as coisas vividas, as despedidas, as expectativas, as viagens, os reencontros…. a doce inocência da juventude…
Os Post Cards.
Papéis coloridos, cartas longas, muitas e muitas páginas, outras vezes, breves bilhetes de amor deixados na cabeceira… cartas com desenhos e presentinhos, folhas e flores secas… polaroids.

A caixa que era uma caixa de sapato, foi crescendo e virou uma caixa maior, de plástico translúcido com bolinhas coloridas. Tem uma fita crepe grossa colada na tampa, escrita em pilot, “Cartas’.
Há cartas da mãe, do pai, do irmão, irmã, das amigas e amigos, das namoradas e dos romances passageiros e sonhadores. Há cartas não respondidas.

Que bom ter vivido no tempo em que se escreviam cartas.
Mas agora, o que ele queria mesmo era escrever uma carta, nesses tempos em que não se escrevem mais cartas…

Uma carta para J.

(Alexandre Lima)

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São Paulo, 11/02/2022

Olá, quanto tempo.... 
Desde que rompemos vez ou outra nossa relação surge na minha mente. Estamos rompidos, eu sei, mas para encerrar nosso ciclo juntos preciso me acertar contigo.
Sim, muitas vezes o amaldiçoei. Minha busca por você que começou bonita e idealizada, logo se tornou um fardo. Desculpe-me pela sinceridade. 
Nem só de problemas nossa história foi constituída, escrevi também para dizer o quanto o amei (aqui respirei fundo! eu sinto que olhar com gratidão para tudo o que houve, tudo o que significou - simbolicamente e concretamente - vai contribuir para curar algo aqui dentro de mim).
Fomos nos conhecendo aos poucos, especialmente pela opinião dos outros. Não tardou, estava encantada, sonhava em conquistá-lo, fiquei obstinada. 
Todo esse desejo foi o motor da minha vida por muitos anos. Além disso, você era minha esperança, preenchia-me, ajudava-me a seguir firme, apesar de tantos e complexos problemas ao meu redor. Apostei tudo na possibilidade de nos encontrarmos na vida, você representava a minha felicidade! 
Fiz tudo o que pude pra tentar alcançá-lo, estar à sua altura. Essa busca se tornou meu horizonte. Quantas vezes no caminho me perdi de mim, mas não importava: Você era meu presente e meu único futuro, minha promessa de libertação.
Vê como me enganei? como poderia dar certo, ser leve se o que eu via não era você, mas a criação da minha projeção? 
Finalmente, o grande dia chegou! te conquistei! e foi lindo! um dos dias mais felizes da minha vida: meu sonho tornado realidade. Sentia-me forte, capaz!
Vivemos alguns anos em lua de mel: olhos brilhando, borboletas no estômago, era paixão correspondida! 
Mas você me impelia a querer sempre mais. Fez-me acreditar que o céu era o limite e que eu podia e devia ir além e que quanto mais eu prosseguisse adiante, mais valorosa eu seria.
Certo dia, o que era paraíso se transformou em purgatório. Não havia possibilidade de contentamento na nossa relação. A minha satisfação o ofendia. Percebi que a chama da nossa paixão era a ambição, o gosto doce e amargo da conquista.
Mas, eu me sentia tão cansada... só queria gozar o momento presente; nem ontem, nem amanhã. Queria te agarrar firme e só, não pensava em ir além.
Percebi em seus olhos que não me admirava mais. Eles me diziam sobre sua partida. Desesperei-me. Para não te perder me desrespeitei inúmeras vezes, fingi querer o que não mais me fazia sentido.
Adoeci.
Um dia acordei e não o encontrei.
Meu mundo caiu, fiquei sem norte, vazia, me perdi de vez. Tudo era tédio, arrastado, conflituoso, desconexo dentro de mim. Logo senti muito ódio, amaldiçoei nosso encontro que me aprisionou.
Foram anos e anos arrastando as correntes da culpa e frustração, percorri meu deserto, não cabia na minha confusão.
Mas o tempo passa e passou e o tempo cura ou ensina.
Depois de sentir tanta dor e de fazer muita terapia, compreendi. Você foi primordial na minha vida, estava no lugar certo na hora certa. Você me ajudou, nossa jornada juntos foi tortuosa e enriquecedora. Você foi exatamente o que eu precisava no momento ... por isso te criei, te alimentei e permiti que você me destruísse algumas vezes.
Mudei, mas sempre que lembro dos sonhos que sonhei contigo o que era dor agora se tornou orgulho e permissão de seguir outros rumos (sim, eu me permito!). Por isso o agradeço por tudo e encerro nossa relação, querido concurso público.
  Não me responda por favor.
Adeus.

(Eve)


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Meu amor,

Estou te escrevendo esta carta que provavelmente nunca irei te enviar. Também por isso, hoje me sinto ridícula, mas me alenta porque foi me pedido para ser ridícula. Então serei. Tão ridícula que vou me expressar pela voz de outras pessoas. Estou como o Casuarina que no “murmúrio do canto da noite vem relembrar amores que vivi”. Com muita vergonha, dor no coração e junto com o KLB venho te dizer que “estou morrendo por dentro e é tanta saudade morando em meu peito”. É difícil, pensar em tudo que vivemos e amamos. Ainda mais quando junta a Bethânia e Roberto me massacrando, pois me lembra que “ficaram as canções e você não ficou”. Lenine me acolhe, sabia? pois “no dia que ocê foi embora eu fiquei sozinha olhando o sol morrer .... o último homem no dia em que o sol morreu”. Pois agora sei que posso voltar. Já fui até o limite.

Sigo te amando.

(Mirnis)

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