Amizade - #grupodeescritamatinal
--- Textos produzidos pelas pessoas participantes do Grupo de Escrita Matinal conduzido por Liana Ferraz
--- Inscrições e informações https://www.liv.us/grupo-de-escrita-matinal
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Eu, ela, elo.
Fernanda França de Oliveira
Eu sempre me pego pensando no dia em que te conheci. Ambas estávamos precisando de acolhimento, embora suas necessidades fossem mais aparentes. A conexão entre nós duas foi tão imediata que logo assumimos compromisso uma com a outra, embora tenham tentado — e por alguns dias, conseguido — demover-me da ideia de me entregar tanto a uma amizade tão recente. Eu já tinha questões demais em minha vida, — diziam — não fazia sentido me envolver com problemas alheios naquele momento. Racionalmente, eu sabia que procediam as advertências, mas o resto de mim já havia se lançado naquela relação. E afinal de contas, o caminho da não racionalidade sempre fora capaz de me levar aos destinos mais inusitados, que sempre acabavam por se mostrar os mais felizes.
Nós duas passamos momentos difíceis. Você não sabia — e por que deveria saber? — como eu esperava que agisse, nem como eu mesma agiria. Tivemos falhas de comunicação, e eu tive dúvidas sobre se algum momento me compreenderia. Curiosamente, o tempo não foi capaz de escancarar nossas claras diferenças, nem de desgastar nosso relacionamento. Pelo contrário: por um período de minha vida, nosso elo era, para mim, o que havia de mais importante e significativo. Eu ansiava o dia todo pelo momento em que te veria, e ficar em silêncio ao seu lado me trazia uma paz que eu antes desconhecia.
Não sei se você sabe, — embora, pela forma como me olha, eu acredite que saiba — mas foi a responsável por me resgatar no momento em que não conseguia enxergar a porta de saída. E ainda hoje, quando me vejo perdida, — mas mais fortalecida, graças a sua presença — você é capaz de me retirar dos cenários mais sombrios sem precisar dizer uma palavra.
Não sei exatamente como te agradecer, já que você nunca precisou de muito. A única promessa que posso te fazer, minha amiga, é tentar te proteger de todo o mal, e estar ao seu lado quando sua preciosa — porém curta demais — vida canina chegar ao fim.
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Sofia.
Veio me buscar no hotel, às 7h30 da manhã para irmos à praia, atrás de ondas.
Faziam anos que eu não a via. Saudades da amiga-irmã e muitas histórias pra dividir. Eu, 26, ela 23.
Abraço longo, sorriso luminoso daquela menina de cabelos encaracolados com sardas no rosto. Antes do mar, preciso que você venha comigo em um lugar.
Claro, vamos.
Ela dirigia seu carro onde o volante era do lado direito. Porque seria do lado direito, o volante dos carros na Indonesia? Por conta da colonização holandesa? Na Holanda se dirige no lado direito?
Acho que estou grávida. Fiz o exame de sangue, estamos indo buscar o resultado.
Parabéns, que alegria!!!
Sim e não.
Ela tinha acabado de se separar do David, seu ainda marido no papel, mas não mais no afeto, na relação.
Sim, ela veio chorando, de emoção, de medo…. de tudo! O Exame confirmou a gravidez.
Conversamos muito na areia da praia, depois de um tempo entrei no mar pra surfar, ela preferiu ficar na areia meditando sobre a gravidez.
O mar verde e translúcido, o vento terral levantando a crista das ondas… Surf não é um esporte, é uma atividade espirutual, um meio de se espiritualizar.
Eu remava cansado, pesado, de uma temporada de trabalho, sedentarismo e bohemia na França, sem qualquer preparo físico para remar para o outside – atrás da arrebentação, onde as ondas que navegam milhas e milhas desde o alto mar, encontram a costa ou uma bancada de areia ou coral e quebram estravasando toda essa energia oceânica.
Eu ainda passaria 2 meses na Indonesia, surfando muito, vivendo e gastando todo o dinheiro que tinha feito durante 6 meses na França mas, nesse primeiro dia na água, surfei quase nada… não tinha energia… fiquei observando o mar e pensando na gravidez da Sofia. Saí logo d’água e me deitei ao seu lado na canga. Sofia estava matriculada em uma faculdade de desenho nos EUA, partiria em um mês. Com a gravidez ficou sem saber o que fazer. Ser mãe ou construir uma carreira? Seria possível não precisar escolher entre uma coisa e outra? Ser mãe e estudar, construir um projeto profissional? Sabemos que se depender do mundo, não. O mundo quer as mulheres sendo mães, em casa. Em 1998, era pior ainda.
Sofia estava feliz, apesar de tantas dúvidas e ameaças que a assombravam.
Ela vivia na Indonesia há 2 anos. Quando a conheci, ela vivia na casa do pai em Santa Tereza, no Rio.
Fui visita-la com uma ex-namorada que era amiga dela e acabamos nos tornando próximos. Eram muitas as afinidades.
A dúvida sobre ser mãe ou abortar era mais do que justa para ela, como seria pra qualquer mulher. Minha mãe sempre me falou que, quem decide se vai parir e criar filhos ou abortar é a mulher. Aprendi e concordei desde cedo.
No caso da Sofia haviam algumas questões. Ela como eu, vinha de uma família afetiva e acolhedora, porém um tanto desestruturada, portanto uma oportunidade de estudar fora e construir um projeto de vida, era algo um tanto promissor. Promissor para romper com essa trajetória familiar e iniciar uma nova história. Ela não queria ter que perder essa oportunidade. Sacrificar uma coisa pela outra seria cruel.
Hoje, Lucas tem 23 anos, mora no Texas, nos EUA, onde cursa economia.
Além de Lucas, Sofia é mãe de João e Rodrigo. Separou do David, pai do Lucas, casou com o Ravi, pai dos outros 2 filhos.
Foi estilista durante anos, produzindo roupas na Indonesia e vendendo no Brasil.
Hoje mora em Los Angeles e trabalha com Pilates.
Ela não fez a faculdade nos EUA em 1998, mas rompeu com o destino trágico familiar e desenhou, construiu uma outra vida para ela e seus filhos.
Te amo Sofia, irmãzinha, saudades sempre, de estar junto e de escutar singularidades que só podem vir de você. Fora, o quanto que você me faz rir.
Estamos juntos, sempre. Besos, besos, besos e até breve
A.
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