Offline - #grupodeescritamatinal

 

--- Textos produzidos pelas pessoas participantes do Grupo de Escrita Matinal conduzido por Liana Ferraz

--- Inscrições e informações https://www.liv.us/grupo-de-escrita-matinal 

***

Tic toc 


É segunda-feira e já acordei atrasada. O tic toc do meu pequenino alarme branco de ponteiros pretos me irritou. Às 2h06, quando levantei mais uma vez para tomar um copo d´água, o deixei na mesa da sala para não atrapalhar o sono. Ele despertou exatamente no horário combinado, mas não ouvi.


A Ana, minha irmã, sempre liga cedinho, às segundas. Ela conhece bem o meu sono pesado. Mas eu esqueci de colocar o telefone sem fio na base e ele dormiu mais do que o planejado. 


Despertei embalada pela cantoria de Tatá, a diarista que trabalha no apartamento vizinho ao meu. Ela sempre canta Cartola de manhã, soltando o verbo no Corra e olha o céu. Tatá tem bom gosto para músicas e uma voz singular. 


A Ana já está aí? Saltei o olho, o relógio marcava 10h17. Saltei da cama. Nem pude curtir a preguiça gostosa das três horinhas a mais, bem dormidas.


(Giana)


***


Como isso foi acontecer? Que vacilo!

Entrar no mar e passar horas na água morninha, acolhedora e transparente  do paraíso alagoano, mas constatar  a frieza do olhar e   a sensação turva de que o celular estava no bolso do short sem o devido lacre. Isso é ser mar, imensidão que ocupa os espaços que deixamos soltos e desavisados. 

Prejuízo,  esperança,  arrependimentos, tentativas, constatação: nem liga. Para quem? Morreu? Celular não morre ,gente! Celular é coisa!É nada! 

Ele é vivo. Acorda a gente, dá bom dia,  faz a gente perder tempo com ele e por ele. Nós nos dedicamos tanto a ele que esquecemos de nós mesmos. Haja doação!

Porém,  quando fico sem ele percebo como o tempo é meu, como posso olhar pros lados, para cima, para baixo....existem outras direções?!!! Não preciso só olhar para frente.

É...meu celular morreu e eu vivi meu tempo precioso sem ele. Aproveitei as horas infinitas do meu dia devagar e fui escreVER o mundo!

(Carolina Carvalho)

***



(Nina Giovelli)

***

Um dia sem ele

Como de costume, pedi um carro por aplicativo para ir ao trabalho, decorei o número da placa e o modelo do veículo, desci até a portaria e vi pela porta de vidro que o motorista já estava esperando. Entrei no carro, dei bom dia e quis pegar o celular de imediato, mas o rapaz que dirigia começou a contar uma história. Embora eu não estivesse realmente com vontade de conversar, respondi educadamente para não deixá-lo falando sozinho. Quando o caso que ele relatava enfim morreu, abri a bolsa para procurar meu telefone. Revirei-a, mas não o encontrei. Senti uma pontada de desespero bater. Por um instante, tive vontade de pedir ao motorista para voltar para casa, mas se o fizesse, chegaria atrasada, e já estávamos mais perto do trabalho do que do meu apartamento. O pior é que eu passaria o dia sozinha, já que com a pandemia, foi estabelecida uma escala de trabalho para evitar aglomerações. 
Por sorte, meu comprovante de vacinação em papel estava na bolsa. Caso contrário, sequer conseguiria entrar no prédio, impossibilitada que estava de consultar o virtual. Subi pelo elevador, abri a porta e assentei-me na cadeira. Eu tinha muitas coisas para resolver pelo celular, mas tudo que pude fazer foi ligar o computador e começar o serviço sem mais delongas. Estava incomunicável. 
O desktop não ligou. Tentei utilizar as máquinas dos colegas. Igualmente, não obtive sucesso. Peguei o telefone fixo e avisei a manutenção. Não havia o que fazer, não podia nem abrir um dos processos e adiantar a leitura, todos eram eletrônicos. Decidi tomar um café e abrir a janela. Desde que começara a passar o dia sozinha no trabalho, eu nunca tinha aberto a janela, embora a vista fosse um descanso para os olhos. Julgava ser uma perda de tempo, e não queria correr o risco de esquecê-la aberta na hora de ir embora. O dia estava especialmente bonito. Logo eu, apaixonada por dias ensolarados, não tinha notado até então que estava vivendo um deles. Perguntei-me se a Baía de Guanabara sempre havia sido tão azul. Os aviões saíam e retornavam do aeroporto Santos Dumont, e a Igreja Santa Luzia repousava no canto da cena, contrastando com tantos prédios a sua volta. Era tudo muito rotineiro e ao mesmo tempo impactante. As pessoas andavam com pressa pelas ruas. Revirei a bolsa, de forma instintiva, em busca do celular, queria ver as horas. Lembrei-me de imediato da estupidez daquele gesto, e vi o relógio de parede denunciar que eu estava há apenas quinze minutos dentro da sala. Decidi organizar minhas gavetas de trabalho, retirar objetos esquecidos e desnecessários, limpar a mesa. Não me recordava de já ter parado para fazer isso. Alguns vendedores entraram oferecendo queijos, tortas, doces. Se eu ainda morasse em Minas, acharia estranha essa movimentação em um prédio de tantos andares, mas no Rio, era bem comum. Terminada a tarefa que havia me proposto a cumprir, comecei a anotar em uma folha de papel o que precisava fazer. Achei reconfortante tê-las ali, todas enumeradas e registradas com minha caligrafia. Guardei a lista na bolsa e busquei o celular para fotografar o que tinha escrito, já que poderia perder a folha de papel. Outra vez me recordei que aquilo não seria possível. 
O rapaz da manutenção chegou, depois de uma longa meia hora. Resolveu o problema dos computadores em dez minutos. Comecei o trabalho, interrompida algumas vezes pelo desejo de conferir mensagens em redes sociais. Depois de um tempo, contudo, fui deixando de lado o impulso de revirar a bolsa. Passei o dia com uma concentração que eu nem me lembrava que tinha. As horas pareceram transcorrer de forma mais lenta. Às vezes, eu me sentia terrivelmente sozinha. Mas terminei o trabalho, organizei alguns arquivos, fechei a janela e apaguei as luzes com atenção, tranquei a porta e decidi voltar de metrô. Caminhei até a estação, percebi o tempo, as pessoas, os sons e senti-me, enfim, conectada com o mundo a meu redor. Ao chegar em casa, estava decidida a diminuir o uso do celular. Vi o aparelho sobre a mesa. Peguei-o apenas com a intenção de conferir se havia algo importante, antes de ir para a academia. Sentei-me no sofá para consultá-lo por alguns minutos, e, quando dei por mim, já era noite e precisava dormir.

(Fernanda França)

***




***

Ele tocou, coloquei em soneca, ele tocou, coloquei em soneca, ele tocou, coloquei em soneca, ele tocou… Levantei 
Todo o dia começa assim, mas hoje… Não foi assim… Ele não tocou, eu não coloquei em soneca, o corpo me acordou, e me assustei… "Cadê a soneca?" Levantei…
Quando o achei estava desligado, procurei o carregador no criado mudo, não estava. Na escrivaninha, não estava. Na sala, não estava. Na cozinha, não estava. No banheiro, não estava. 
Respirei fundo e fui tomar um café. 
Fiz o café bem forte, afinal não teve soneca. Depois fui me arrumar, troquei de roupa 3 vezes incomodada, saí atrás da lojinha para comprar um carregador.
Caminhando eu vi: uma senhora conversando com outra pelo celular, um homem digitando raivosamente, uma criança vendo um desenho pela telinha, uma mulher correndo escutando música… Todos com aquele aparelho… Eu me senti incomodada…
Cheguei na loja, achei o carregador, comprei. Suspirei aliviada e voltei para casa.
Caminhando passei por uma sorveteria e decidi tomar um sorvete, comprei um, sentei na mesa, fiquei olhando para o nada, depois olhei em volta, todos estavam olhando para a telinha, até os acompanhados… Suspirei, me levantei e voltei para casa.
Em casa coloquei o meu “precioso” para carregar, assim que consegui ligar tinha as seguintes mensagens:
vc esqueceu seu carregador aqui
te levo umas 11h
a gnt pode ir almoçar juntos
o que vc acha? 
-Aff - bufei e respondi um “ok”
Faltava 5 min para as 11h.
Ele tocou… Mensagem nova… Respirei fundo…  
-Aff… era só esperar? - me questionei

(Beatriz Prestes)

***

Caminho junto com amigas e amigos numa manifestação em defesa das Universidades Públicas quando percebo que furtaram meu celular. Fico gelada. Mentalmente averiguo se deixei algum nude na galeria de fotos ou alguma senha salva no blocos de notas. Nada. Ufa!
Sinto-me uma bobalhona e vou embora da manifestação sem avisar os amigos. Ando poucos metros e lembro que não há mais orelhões na cidade para que eu possa fazer as ligações de praxe, carregamos a burocracia no celular. O mais importante é bloquear o aplicativo do banco. Mas onde fica a agência e onde fica o metrô, como me localizar sem o google maps? 
Bem, ainda há gentileza no mundo e pessoas me ajudam no caminho.
Em casa durante o banho lembro que não tenho despertador.
Sem celular, chega a solidão: nunca estive de fato só. A distração ou interação ficava sempre ali sempre a mão.
Sinto falta de algo... no corpo. 
Durmo mal e no dia seguinte acordo cedo e a falta ainda está presente. 
Rodo em casa, cabeça a mil, do que é que sinto falta? 
Não consigo focar, faço respirações profundas, tento meditar. Olho para minhas mãos: falta um pedaço de mim, mas estou inteira!
Dois dias depois dou meu conta de que o pedaço de mim que anseio é o celular a continuidade das minhas mãos, o prazer da criança moderna.
A distopia do ser humano metade gente metade máquina já chegou e nem notamos?

(Eve Lima)






Comentários

  1. MGM Grand Casino Hotel - JamBase
    casino, hotel and event 용인 출장마사지 center. MGM 하남 출장샵 Grand Casino Hotel is 순천 출장마사지 a destination favorite for all your entertainment needs. With more 제주 출장샵 than 110 slot machines 밀양 출장샵 and

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas