Você é






    O difícil é falar de você no passado. Logo você que veio hoje me visitar no sonho e deixou na minha pele seus pedacinhos luz. É uma companhia fria, essa nova. Aqui ao meu lado, você sem você direito. Eu sem você, eu sem eu. Existimos juntos e agora existo metade. É estranho e dói.

    Quando a ambulância começou a acelerar, eu percebi. Precisaria correr também com o "eu te amo". Eu te amo eu te amo eu te amo. Falei em disparada, atravessando os sinais vermelhos. Você apertou minha mão, dizendo como podia eu também eu também eu também. Tivemos que apertar nossos anos juntos e fazer caber nos dedos e nos olhos. Fizemos. 

    Teve um dia em que acordei feliz. Um pouco só. Comecei a tentar sorrir e precisei logo calar a alegria. Não me senti autorizada a sorrir sem você. Como poderia? Aí vieram os seus olhos de amor, seu carinho de amor, seu colo, seu colinho, seu dedo, sua cócega, seu cobertor em mim, seu travesseiro perfumado, seu pescoço. Veio tudo me dizendo: por favor, sorria. Eu obedeci. Não a você, mas a nós. Obedeci ao nosso amor e dediquei-me às tarefas simples. Fervi a água e coloquei a xícara na mesa. Coloquei a sua também para fingir que você perdeu a hora só. Engraçado como cabe memória numa xícara! E, de repente, bebi você pertinho pertinho pertinho. Bebi e esquentei dentro. Você está aqui! Eu te reconheço e te celebro nas pequenas coisas! Eu te reconheço e te abraço no que fomos, no que somos. Eu te reconheço e me despeço delicadamente daquela presença e acolho e abro portas e peito e corpo para essa nova presença sua, presença ar e luz. Eu estou aqui, com você. Você existe no presente. Você gosta de me fazer carinho. Você é uma saudade linda. Você é um espaço quente. Você é um espaço de fechar os olhos e respirar. Você é. Nós somos.

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